Boa noite, leitores! Como prometido no último post, aqui está a a terceira e última parte d'A fotografia :) (leia a
parte I e a
parte II)
Essa parte é a maior parte do conto, até pensei em dividi-la em duas, mas já temos fragmentos demais por aqui, não é mesmo?
Se divirtam! E não esqueçam de deixar suas opiniões!
A fotografia (parte III - final)
—
O quê? — perguntou Mariana, com alguma dificuldade.
As
batidas pararam repentinamente.
—
O cara da foto está morto. — disse Henrique.
Mariana
revirou os olhos e levantou as mãos para o alto, aquela afirmação era tão
obvia, qualquer um daquele tempo já havia morrido, seu namorado deveria sofrer
de um retardamento mental, não era possível.
—
Ele está morto aqui! — Henrique aumentou o tom de voz. — Essa é a foto do corpo dele.
Mariana
olhou fixamente para o jovem por alguns segundos e, prendendo a respiração,
pegou a foto das mãos dele. Aqueles olhos, inexpressivos e inchados a
encaravam, seus ombros estavam rígidos, sua pele, pálida. Por que ele estava
ali naquela foto? Era por isso que ele ainda estava no mundo dos vivos? Como
ele se sentia agora, frustrado? Com raiva? O que os mortos poderiam fazer aos
vivos?
Sentindo-se
tomar pelo pânico novamente, Mariana respirou fundo. Tinha de haver algum jeito
de acabar com tudo.
—
Bom, então é ele que está assombrando a gente. Peguei essa foto com a Júlia, estava
na caixa de joias da bisa dela.
—
Você fala isso como se fosse a coisa mais simples do mundo!
—
É só rasgá-la e acaba tudo.
—
Não! — gritou Henrique, arrancando a foto de Mariana. — Talvez ele fique preso
aqui, sei lá! Acho que devemos procurar ajuda profissional.
—
Ajuda profissional? Onde?
—
Amanhã a gente vê, estou muito cansado agora e parece que o cara vai dar algum
sossego pra gente.
***
—
Como assim? — Júlia arregalou os olhos e se levantou para olhar a foto que
estava sobre a mesa da praça de alimentação da faculdade.
—
Não vai acontecer nada se você a tocar. — informou Henrique, impaciente com
aquela situação.
—
Sabe, a gente poderia ir à fazenda ver o que o pessoal sabe. Essas histórias
sempre são contadas entre os empregados.
—
Meu, a fazenda fica a uma hora daqui, eu estou no meu horário de almoço, a Mari
tem estágio...
—
Mor! Olha, minha chefe é bem compreensiva...
—
“Clarisse? Sou eu, Mari. Olha, tem um fantasma me assombrando e vou investigar
sobre ele, por isso vou faltar no serviço, beijo!” — replicou Henrique,
imitando a voz de Mariana.
—
Para com isso. Vou falar que estou com problemas em casa e que preciso
resolvê-los.
—
Excelente desculpa. Se você não quiser ir com a gente, pode ficar procurando
essas pessoas aí, aquelas que mexem com espíritos e tal. Compare os preços, tem
cigano muito careiro por aí. — falou Júlia, pegou rapidamente sua bolsa e
colocou os óculos escuros. — Vamos?
Henrique
apenas cruzou os braços e as observou sair
***
—
Parece que agora já era mesmo. — constatou Antônio descendo as escadas depois
de tentar consertar o ar condicionado.
Todos
no escritório suspiraram, desanimados. Henrique tirou o celular do bolso,
nenhuma mensagem das garotas, irritado, resolveu passear pela sala, talvez
pegasse um café, mas não estava com vontade.
—
Como você consegue? Está tão quente aqui e você aí, andando de um lado para o
outro e, agora, pegando café!
Marlene
era sempre assim, por que ela simplesmente não fica apenas o dia inteiro no
Facebook vendo as vidas felizes dos outros, por que ela tem que prestar atenção
em um colega de trabalho aleatório? Henrique lhe lançou um olhar de desprezo,
que pareceu não afetá-la, e voltou a sua mesa.
Abriu
a janela do Google Chrome, demorou alguns instantes para digitar qualquer
início de palavra, por fim escreveu: fotos assombradas. O resultado foi
péssimo, encontrou milhões de sites citando a Menina do Corredor, achou até graça, fazia muito tempo que não
ouvia ninguém comentando sobre aquela história, mas, depois de um tempo
passando os olhos por links vazios e
sensacionalistas, decidiu apelar e pesquisar por ciganos, também não obteve
resultado.
Frustrado,
ele se levantou outra vez, pegou outro copo de café e fingiu não ver os olhos
impressionados de Marlene.
—
O que você procura? — perguntou Marlene, sua voz parecia um tanto desafinada,
provavelmente estava com medo de uma segunda rejeição.
O
jovem se virou lentamente para a colega, pediu a Deus por paciência, achou até
engraçado pensar em Deus naquele momento confuso.
—
Eu sei que você está preocupado com algo que não é deste mundo. — finalmente
ela ganhara sua atenção. — Não tenho habilidades muito avançadas, sinto algumas
presenças invisíveis, mas não faço contato. Minha prima é uma sensitiva
excelente, ela pode ajuda-lo.
—
Podemos vê-la quando sairmos? — de repente, sentiu-se culpado por julgar
Marlene, ela poderia ser uma fofoqueira, mas no fundo era uma boa pessoa.
—
Mas é claro!
***
—
Bom, foi uma história de amor super dramática, linda e triste! — comentou
Mariana, ao sentar-se atrás do banco do motorista, Marlene ocupava o banco do
passageiro da frente.
—
Linda e triste mesmo! Tudo começou quando a bisa estava voltando de Santos e o
motor do carro pifou ou coisa assim, vai saber, esses carros de antigamente
eram tão ruins que nem sei como andavam...
—
Andem logo com essa história, não preciso de detalhes, só das informações
objetivas. — interrompeu Henrique, impaciente.
As
garotas se entreolharam aborrecidas, era uma história ótima para se contar,
cheia de detalhes que contribuiriam para transmitir as emoções, fora por isso
que Mariana e Júlia passaram duas horas na fazenda, conversando com Joana, a
cozinheira. Contudo, o espírito de Joaquim parecia desesperado, talvez ele não
suportasse mais a pior prisão em que um ser humano poderia ficar ou então talvez
houvesse um tempo limite para que ele pudesse ser liberto, algo que poderia estar
em um filme de suspense.
—
A bisa era filha de um... homem de negócios, podemos dizer, muito rico. Claro
que era esperado que ela se casasse com um homem rico que pertencesse a uma
família tradicional para poder manter o sangue azul. Mas ela conheceu Joaquim,
ele era ajudante do açougue da cidadezinha do lado, eles se apaixonaram
perdidamente e começaram a ter um caso escondido. Depois de um ano, os dois não
aguentavam mais, eles tinham que viver juntos e felizes para sempre! Eles
planejaram a fuga com muito cuidado, mas um dos empregados da casa da bisa
descobriu os planos e contou para o pai dela. Joaquim foi forçado a se mudar
para uma fazenda perto de Cuiabá, passando a trabalhar para um colega do pai
dela.
—
Então ele não era tão mau! — exclamou Marlene, esperançosa como se tivesse
esquecido o fim trágico do espírito de Joaquim.
—
É, poderia ter sido pior, mas, naquela época, viajar de lá pra São Paulo era
difícil, principalmente pra quem era pobre. O pai dela esperava que eles nunca
mais se vissem e, como estava tirando Joaquim de seu emprego e o mandando para
um lugar desconhecido, nada mais justo do que dar um emprego para ele. —
comentou Mariana. — Continuando, a bisa da Júlia se casou alguns meses depois,
com o filho de outro colega do pai dela, tiveram apenas um filho, como a
sociedade esperava deles. Quase 15 anos haviam se passado quando ela e Joaquim
se encontraram novamente.
—
Ai meu Deus! Como foi isso? — perguntou Marlene, virando-se para que pudesse
ver as garotas no banco de trás.
Henrique
estacionou o carro ao lado de um terreno vazio, com o mato alto e contido por
uma cerca de arame. Todos desceram do carro e Marlene apontou para uma casa
pequena e verde que aparentava mal cuidada e desgastada.
—
Ele mesmo voltou a São Paulo atrás dela. — respondeu tardiamente Júlia, ao
parar na frente do portão da casa indicada. — Conseguiu descobrir o nome de
casada da bisa e seu novo endereço. Ele apareceu lá de repente, deve ter sido
muito emocionante! Ela o contratou como jardineiro e passou a morar numa
casinha que ficava dentro da propriedade. Meu bisa sabia do caso, ele era
tranquilo, acho que ele também tinha sido um frustrado no amor. Acontece que a
felicidade não durou quase nada, oito meses depois, Joaquim pegou pneumonia e
morreu, mesmo com todos os cuidados que os bisas puderam oferecer. A bisa ficou
extremamente abalada, exigiu que tirassem uma foto dele dentro da sala de estar
da casa dela, queria um registro de que eles realmente voltaram a ter a
presença um do outro.
—
E ele acabou se tornando uma alma penada que, supostamente, só consegue passear
pelo mundo em um raio de 20 metros de onde a fotografia está.
Todos,
exceto Marlene, viraram-se assustados para a mulher que estava parada atrás
deles, à princípio aparentava ter surgido do além, mas logo viram que ela
carregava uma sacola de pães.
Ela
e Marlene poderiam ser tidas como gêmeas, mas Marlene era gorda e estilosa,
enquanto a prima, magra e desleixada. A
casa reflete o dono, pensaram todos, automaticamente.
Entraram
na casa e se sentaram à mesa da cozinha, Cintia, a prima de Marlene, arrumou a
mesa, colocou os pães em uma cesta e os deixou no centro, ofereceu chá e sucos
às visitas.
Mariana
olhou para Henrique, seu olhar estava confuso e começou a balançar a perna direita
freneticamente para cima e para baixo. Também confuso, Henrique se pronunciou.
—
Então você sabe por que viemos aqui.
—
Sei, sei muito bem, parece que não estão muito dispostos a fazer um lanchinho,
não é? — Cintia suspirou e olhou para sua diagonal, atrás do jovem. — A
fotografia...
Henrique
a deu para Cintia, que olhou novamente para a diagonal, provavelmente Joaquim
estava ali. Ela a olhou, depois olhou para todos os presentes, levantou-se.
Ouviu-se
um barulho de papel sendo rasgado. Cintia caminhou até o lixo e lá jogou o que
sobrara da fotografia.
—
O que você fez? — gritou Júlia, chocada e levantando-se em um salto, mas setando-se novamente, aflita.
—
A fotografia não interfere em nada! — Cintia aumentou o tom de voz. — Espíritos
não ficam presos ao mundo por causa de fotos tiradas quando morto. Esse tipo de
foto era moda antigamente.
Ela
olhou para o espaço vazio.
—
Você ficou aqui porque achou que deveria ficar perto de Heloísa. Quando ela
morreu, ela, que não possuía nada que a prendesse aqui e acreditando que te
encontraria do outro lado, passou para o outro mundo. Sabe por que você não foi
junto? Porque você não aceitou a sua morte e colocou a culpa na fotografia,
você mesmo se convenceu de que ela o prendia aqui. Não posso fazer nada por
você. Você deve descobrir o seu caminho por si mesmo, fique a vontade para
rondar por aí.
Todos
permaneceram imóveis, até que Mariana se levantou lentamente, como se estivesse
em transe.
—
Vamos?
—
Como assim? — perguntou Henrique.
—
Ué, não temos mais o que fazer, é o psicológico dele que o está mantendo aqui.
—
Talvez devêssemos chamar um padre para exorcizar o Joaquim. — sugeriu Júlia,
ainda sentada, mas tremia visivelmente.
—
Não tem que chamar padre, farei uma terapia com ele. Ele não entende o que está
acontecendo ou não acredita.
***
Mariana
e Júlia estavam assistindo ao Are you the
one? quando Henrique entrou na sala completamente eufórico.
—
Aqui! O fechamento do nosso caso! — ele falou erguendo o celular para o alto.
Ele
deu o celular à Mariana, as duas leram o email que era exibido pela tela:
Não se preocupem com o Joaquim.
Tivemos conversas e discussões muito sérias nos últimos três dias. Depois de um
passeio ao lugar que falecera, Joaquim finalmente entendeu a morte. Tenho fé de
que agora ele está em paz e com a Heloísa do lado dele.
Abraço,
Cintia.