Herança

Finalmente temos um primeiro conto no blog (na verdade, já estava pronto faz tempo, a preguiça mesmo era em relação os detalhes finais do blog em si)!
Espero que espero que gostem e deixem suas opiniões :)

Herança


Era um dia ensolarado, as pessoas não vestiam preto. Na verdade, todas haviam sido pegas de surpresa. Nenhum dos presentes parecia triste, apenas imerso a um estado de confusão.

Quem diria que Constantino um dia se mataria? Ele era sempre tão alegre, tão energético e gastava dinheiro feito louco, embora nunca tivesse trabalhado. “A vida dele era tão fácil! Talvez seja por isso que se matou” comentavam algumas idosas enquanto saiam do funeral.

E agora quem tinha a vida fácil era ele, Marco, sobrinho de Constantino, o velhote libertino. Marco herdara todos os bens de Constantino e ficou sabendo disso somente durante o funeral, quando sua prima o abordou:

- Está feliz? – perguntou Jéssica, ressentida. – Está feliz em ver a única filha daquele velhote inútil ir para o olho da rua?

- Jéssica, do que você está falando? – perguntou Marco já colocando a mão no bolso para sacar um lenço para a prima.

- Você herdou tudo, Marco! Tudo! O advogado vai falar com você sobre isso, parece que ele já marcou hora com a sua mãe. – a jovem suspirou. – Você sabe que a herança da nossa família só passa de homem pra homem, ninguém sabe o real motivo.

- Olha, você sabe que eu não vou te deixar na rua morrendo de fome. Seu pai tinha muito dinheiro, não tenho a mínima ideia do que fazer com isso. Aliás, a herança só vai para mim quando eu chegar a maior idade, falta um ano, ainda. – disse Marco sem saber o que pensar sobre o assunto, mas já certo sobre a situação de Jéssica.

- Obrigada, Marco! Você é tão bom! Ainda bem que o dinheiro foi parar em suas mãos, não nas de alguém louco como meu pai. Ele era muito estranho, sabe?

Marco sabia. O tio era de fato uma pessoa peculiar, apesar de seu temperamento alegre, havia momentos em que o brilho de seus olhos mudava, o rapaz não sabia se era de ódio ou desespero, talvez beirassem as duas emoções.

- E, mais uma coisa: você não espera até os 18 anos para herdar tudo, há uma clausula explícita de que você deve se apossar de tudo imediatamente.

***

O garoto chegara à casa de Constantino, ou melhor, a sua casa, perto das seis da tarde. Jéssica o esperava com chá e alguns bolinhos cujo gosto era impossível de ser identificado e que eram muito ruins.

Durante o chá e a conversa com a prima, Marco sentia que algo o chamava. Era como se ele estivesse sendo atraído para um polo que fosse oposto ao seu. Quando Jéssica começou a recolher tudo para a cozinha, a atração ficou ainda mais forte e impossível de se resistir.

Ele começou a andar em direção ao desconhecido que o aguardava. Subiu o primeiro lance de escadas, o andar dos quartos, subiu mais outro, o andar reservado aos quartos de jogos e televisão, e, por fim, chegou ao último andar.

Ao terminar de subir as a escadas, ele se deparou com uma porta, pertencente a um cômodo que deveria ocupar todo o andar.

Tocou na maçaneta. Seu coração disparou, gotas de suor começaram a brotar no topo de sua testa, os pelos de sua nuca se arrepiaram. Marco sabia, que ao abrir aquela porta, sua vida mudaria para sempre.

Então ele a abriu.

- Não tenha medo, querido. – disse uma voz feminina acolhedora.

Ele deu alguns passos dentro do cômodo, uma enorme biblioteca composta por várias estantes de mogno cobertas por uma infinidade de livros. A luz era fraca, mas ele conseguia ver a mulher, que estava parada perto de uma das mesas de leitura, com nitidez.

- Quem é você? – perguntou Marco debilmente, encarando uma mulher de meia idade vestida de verde escuro e com os cabelos grisalhos presos em coque alto.

- A matriarca da família, é claro! –respondeu ela com um sorriso. – Ah! É sempre a mesma coisa, essa carinha confusa... Deixe-me explicar tudo isso. E preste muita atenção, pois esse é o seu destino.

“Há muito tempo, digamos, há mais de mil anos, minha mãe, uma sacerdotisa corrompida que queria se redimir, me deu a luz. Nasci com um poder muito especial e aprendi a controlá-lo desde criança: posso invadir a mente de qualquer pessoa mal intencionada nesse mundo. Meu dever é torturá-los psicologicamente, implantando pesadelos e visões irreais em suas mentes, levando-os a loucura e fazendo com que peguem pelo mal que planejavam fazer. Veja, são dois coelhos numa cajada só: eles pagam pelo mal, mas ao mesmo tempo esse mal não fora concretizado.”

Marco estava confuso. Como ela poderia ter vivido mais de mil anos? Como ela fora parar aqui no Brasil...?

- Navio, bobinho. Como foi que os antepassados de todo mundo, com exceção dos índios, chegaram até aqui? Mas temos questões mais importantes a tratar do que a colonização. Como eu vivo eternamente? É aí que você entra: uma vez por mês, você terá de matar uma pessoa honesta de forma discreta, que faça parecer um acidente. Depois, você pega essa seringa – indicou uma caixa de madeira e a abriu, exibindo a maior seringa que Marco já vira. – e retira o sangue dessa pessoa e o leve para mim.

- Mas se você castiga os de má intenção, por que precisa de sangues honestos? – Marco ainda não acreditava no que estava ouvindo.

- Preciso reabastecer minha energia com esse sangue. Mais vale matar alguém honesto uma vez por mês do que deixar que 20 deles morram nas mãos de mal intencionados.

- P...Por que e...eu?

- Porque você é um ser humano do sexo masculino. Vocês possuem mais forças, herdam meu sangue diretamente. As do sexo feminino só herdam meu sangue diretamente a cada cem anos, além disso, caso alguma coisa dê errado, as minhas meninas não deveriam sofrer tanto quanto os homens, afinal elas são do mesmo gênero que o meu, temos que nos proteger.

- A Jéssica...

- Não, ela nem sonha com a minha existência. Agora vá! Aproveite sua casa. O trabalho virá em breve.

***

Vinte dias se passaram desde o estranho diálogo como uma criatura que ele não sabia o que era. Não era uma vampira... Era... Indefinido. Marco não conseguia parar de pensar nisso, na vida que ele tem agora, no seu destino engessado numa matriarca maluca e contraditória.

O medo percorria seu corpo o tempo todo, bem como a ansiedade, ele não queria matar ninguém.

Às nove horas da manhã daquele dia, ele ouviu, em sua mente, a voz da matriarca: Está na hora. Vá ao centro da cidade. Eletricista, 27 anos, pai de família.

Marco congelou. Ele não podia fazer aquilo. Não mesmo!

Ainda assim, ele foi.

Tudo aconteceu rapidamente, ele descobriu que podia ser veloz e forte. O assassinato foi imediato, mas ele cometeu um erro gravíssimo: olhou nos olhos da vítima, olhos tristes pela morte evidente, por deixar sua família na mão e por muitas outras razões. Olhos honestos.

- Foi por uma boa causa. – disse a matriarca totalmente despreocupada. – Evite olhar para os olhos da vítima na próxima vez.

Quatro meses se passaram, quatro vítimas assassinadas. Marco sentia que uma parte de sua alma era perdida a cada assassinato. Jéssica achava que ele estava desenvolvendo depressão, então o mandou para um psicólogo. Assim, ele passou a fingir que tomava os remédios para depressão, pois sabia que eles não fariam efeito.

E se eu saísse da aqui? E me recusasse a alimentá-la? Seria perfeito, ela logo morreria, afinal, é o sangue que a deixa viva. Pensou o jovem, esperançoso. Ele teria que passar muito tempo sem aparecer naquela casa, era só o que sabia. Ela deveria morrer em cinco meses, no máximo, pois passaria a passar fome a partir da próxima semana se ele partisse imediatamente.

Dessa forma, ele não esperou mais. Comprou passagens de emergência para a França, país que sempre quisera conhecer, agendou sua estada em um albergue nos arredores de Paris e arrumou sua mala. Despediu-se de Jéssica, que ficou atônita com essa mudança de ares repentina, mas entendeu que seria melhor para ele.

Abriu a porta da frente e colocou o pé direito para fora da casa.

Ora, ora, ora! O que temos aqui? Disse a voz conhecida de sua matriarca. Um mal intencionado! Que garoto malvado! Deixar a matriarca morrendo de fome? Aposto que se achou muito sagaz ao bolar o plano. Adivinhe só: você não é o primeiro. Acha que seu tio ficou louco porque era rico sem esforço? 

Uma risada absurdamente alta ecoou na mente do rapaz. E Marco recuou para dentro de casa.

*Fim*

Nenhum comentário :

Postar um comentário